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domingo, maio 10, 2009

Crônica

Pêlos no sovaco

Uma tarde de verão num parque ou lago de Berlim pode equivaler a um curso intensivo de cultura alemã. Nudez generalizada e mulheres com pêlos no sovaco funcionam como uma metáfora da sinceridade nua e crua, do individualismo, do ateísmo, do feminismo, da liberdade, da falta de sensualidade, do ateísmo, da origem bárbara. 
E será que um brasileiro se espanta menos que outro estrangeiro com tantas genitálias bem arejadas? O mais provável seria pensar que sim. Afinal, com o Carnaval estabeleceu-se no senso comum o estereótipo do brasileiro sexualmente liberado. Mas cá entre nós, que estamos a par das fofocas, está claro que se trata de um escândalo!
Muitos de fora ignoram que no Brasil é permitido ficar pelado em público somente em praias de nudismo, que em geral ficam depois da trilha pelo mato, dobrando a curva, subindo e descendo o morro, seguindo reto toda a vida... Sempre bem longe das gentes decentes e famílias católicas.
O topless ainda causa polêmica, mas está mais difundido em algumas praias e é aceito com mais naturalidade no Carnaval. Mas em hipótese alguma genitálias expostas e mulheres com pêlos no sovaco! Homem nu é patético e menos macho. Homem nu só pega bem com ereção e entre quatro paredes. Mulher nua é assanhada, vulgar. Mulher nua, só se for seminua  e depiladíssim!
A depilação feminina é uma prática profundamente enraizada na cultura brasileira. Qualquer mulher sabe que é um ato de violência contra o corpo e, em alguns casos, um trauma. Muitas delas deixariam os pêlos crescerem livremente, não fosse “o que os outros vão dizer de mim!” e o medo de desagradar aqueles homens que preferem exercer o monopólio absoluto sobre os pêlos.
Nas entrelinhas do seminu brasileiro Também se podem ler outras características culturais. A religiosidade, por exemplo. No país com o maior número de católicos do planeta, a nudez segue sendo pecado. Outra característica é a sinceridade oblíqua, que se torna mais evidente quando conhecemos o alemão tão cruamente sincero. Porque muitas vezes o seminu poderia muito bem ser nu e não faria diferença alguma: é como uma mentirinha só para não machucar o outro.
Mas o efeito fundamental do seminu é o charme. O corpo seminu tem certa aura de mistério, um gostinho de “quero mais”, deixa espaço para a fantasia e, por isso, é sensual e erótico. Já o nu é direto demais, mostra tudo e, assim, perde o encanto. E o que comprova isso é a extrema indiferença que pode ser observada nos parques e lagos de Berlim. Rege a lei do “ninguém olha ninguém”. Que gente mais esquisita!
Partindo de outra perspectiva, essa invisibilidade do nu também tem seu aspecto positivo: a liberdade e o respeito pela individualidade. Mesmo para o estrangeiro que ficou chocado num primeiro momento, a nudez torna-se normal com o passar do tempo. Certamente muitos gostariam de se desnudar nas tarde de verão, mas... “e se passar alguém conhecido, o que dirão de mim?”. Deve ser uma delícia ficar com tudo exposto ao sol e ao vento despreocupadamente...
Para muitos, no entanto, ainda é doloroso despir-se da vergonha e do medo. É um embaraço. Um apelo ao assédio sexual no caso das brasileiras. O falso estereótipo da mulher disponível está muito propagado e, com freqüência, elas são vítimas de desrespeito em lugares púbicos ou durante o seu trabalho. Como o caso de uma dançarina que faz um desabafo: “estar nu em parque ou praça pública não é pornografia, mas sambar de biquíni é, certo?” 
Vestido, seminu ou nu, com pêlos ou depiladíssimo, o corpo humano é belo e merece respeito em todas suas formas, movimentos e cores. Oxalá chegue o dia em que o corpo deixe de ser um tabu e possamos todos livremente nos expor nus ao sol! E que possamos todos ficar uns olhando aos outros! Daria uma bela foto! Pena que quando esse dia chegar, quem sabe, o sol já seja cancerígeno demais. O mundo não é perfeito!

Arquivo do blog

berlin, Germany
angelita kasper was born 1977 in três passos, brazil. she studied social communication - journalism at the universidade federal do rio grande do sul in porto alegre, brazil. yet in the nineties, angelita worked as freelance journalist, photographer and artist. since 2002 she lives in berlin and took part in several local art-projects and exhibitions.