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quarta-feira, outubro 28, 2009

quinta-feira, outubro 15, 2009

A história dos alemães no Brasil e seu envolvimento com o progresso econômico da nação

O que motiva uma pessoa a emigrar do seu país, cruzar o oceano para começar uma nova vida num lugar longínquo e desconhecido? Cada um dos imigrantes hoje residentes na Europa poderia dar a esta pergunta a sua resposta pessoal. Mas pode-se supor que todos chegam aqui buscando uma vida melhor, almejando desenvolver-se como indivíduo, desejando realizar um sonho ou mesmo fugindo de uma realidade insuportável. O tempo passa, as guerras são outras, os fluxos migratórios mudam de direção, mas nós humanos sempre estivemos em busca de um algo melhor. Do mesmo modo, os europeus que emigraram para o Brasil e outros países a partir do começo do século 19 até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) perseguiam o sonho de construir uma nova vida no Novo Mundo.
Entre as cerca de 50 milhões de pessoas que deixaram o Velho Continente entre o começo do século 19 e a primeira metade do século 20, estima-se que aproximadamente 4,5 milhões se estabeleceram no Brasil. Dados exatos sobre o número de imigrantes originários de regiões de língua alemã não são possíveis, devido a falta de registros oficiais sistemáticos das autoridades brasileiras. Das primeiras colônias nos estados do sul até a Segunda Guerra, passando por proibições na época do império e grandes levas nas décadas de 20 e 30, o número total de imigrantes alemães oscila entre 235 mil e 280 mil.

A partir de 1824, quando foi fundada a primeira colônia alemã de São Leopoldo, o Rio Grande do Sul passou a ser o destino das grandes correntes migratórias originárias da Alemanha. Entre 1845 e 1859, novos contingentes de imigrantes fundaram colônias em Santa Catarina, onde hoje floresce a indústria têxtil, prospera a cerâmica e, mais recentemente, a informática.

Em 1850, a legislação brasileira de imigração mudou: as terras, que antes eram dadas às pessoas, agora tinham de ser compradas a preços subsidiados pelo governo brasileiro. Embora aparentemente restritiva, esta lei acelerou a imigração, já que eliminava dúvidas a respeito da posse da propriedade.

Entre a proclamação da República, em 1889, até 1919, chegaram ao Brasil 356.500 imigrantes, dos quais somente 15% eram alemães. O último fluxo migratório originário da Alemanha se deu no período entre a 1a. e a 2a. Guerra Mundial. Nos anos 20 se tratavam principalmente de vítimas da guerra chegando da Alemanha; nos anos 30 foram, antes de tudo, os perseguidos e adversários da ditadura alemã. Também alguns partidários do nazismo buscaram refúgio no Brasil.

Com as levas de imigrantes de outra origem, o número de alemães foi superado pelo contingente imigratório de origem italiana, portuguesa e espanhola. Eslavos, principalmente da Ucrânia e da Polônia e, por último, imigrantes japoneses também se estabeleceram no país. Aos colonos alemães coube, no entanto, o trabalho pioneiro de marcar as fronteiras e cultivar as terras virgens do sul do Brasil. Sabe-se que foram camponeses, artesões, soldados, trabalhadores empobrecidos, profissionais liberais e clérigos que cruzavam o oceano. Com eles ia não só o sonho de construir uma vida melhor, mas também de reconstruir sua cultura, sua língua e seus costumes, o que veio colaborar para o imenso mosaico cultural brasileiro. Atualmente calcula-se cinco milhões de brasileiros com descendência alemã.

Emigrar é preciso

Para entender o movimento migratório da Alemanha para o Brasil iniciado há cerca de180 anos é preciso retornar ao momento histórico vivido no início do século 19.

Quando se fala na Alemanha do período que coincide com o início da emigração, é preciso considerar que o país ainda não existia como estado-nação, pois o Império Alemão foi fundado apenas em 1871 por Otto von Bismarck. Antes desta data não havia "alemães", mas sim prussianos, bávaros, renanos, pomeranos, austríacos, boêmios. Em outras palavras, existiam diversos reinados, principados e ducados – e todos tinham uma língua e portanto uma cultura comum, a alemã. A uní-los e separá-los, havia apenas a religião cristã: luteranos de um lado, católicos de outro.

As guerras napoleônicas espalharam terror, caos e miséria pela Europa no período anterior ao início da imigração. A Alemanha, em especial a região fronteiriça à França, havia sido devastada por diversos conflitos entre os dois países, gerando uma emigração em massa para o Novo Mundo. Outro fator que causou a emigração alemã foi a retalhação exagerada das terras, característica da tradição religiosa, onde o primogênito ou o filho mais jovem permanecia nas terras dos pais, tendo os irmãos como súditos. As famílias geralmente numerosas já não se mantinham mais em áreas de até cinco hectares de terra. Nas cidades, a situação não era melhor. A revolução industrial iniciada na Inglaterra em meados dos século 18, atingiu o centro da Europa gerando desemprego em massa. As vacinas, a higiene e as medidas de saúde pública aumentaram a expectativa de vida e contribuíram à superpopulação do Velho Mundo. Como a Alemanha não possuia colônias para onde pudesse enviar seu excedente populacional, restava a opção da emigração. Logo que apareceram os agentes divulgadores do eldorado das Américas, a procura foi grande.

No Brasil, ante o avanço das tropas napoleônicas, esperava-se a corte portuguesa. No final de 1807, rei e companhia fugiam para lá. Como centro do império português, a colônia passou a ser palco para projetos ligados ao seu desenvolvimento. Um decreto do rei D. João VI, de 16 de março de 1820, convidava outros países a apoiar a imigração para o Brasil, na tentativa de formar as bases para uma imigração organizada.

O casamento do príncipe de Portugal e do Brasil, Dom Pedro, com a arquiduquesa Leopoldine von Habsburg, filha do Imperador Francisco I da Áustria, em 1817, havia aproximado as relações do Brasil com a Áustria e, indiretamente, com outras regiões germânicas. Além disso, o governo imperial deu preferência aos imigrantes da Alemanha, Suíça e Itália porque não tinha interesse em trazer súditos de outras potências imperialistas, como Inglaterra e França. Assim, as primeiras tentativas de trazer imigrantes datam já de 1818. Suíços fundaram Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e alemães, a Colônia Leopoldina, na Bahia. Estas primeiras colônia não tiveram, no entanto, muito êxito.

O retorno do rei à Portugal propiciou a independência, ocorrida a 7 de setembro de 1822, e o surgimento do Império do Brasil. O até então príncipe regente, Dom Pedro, tornou-se o imperador e a austríaca Leopoldine von Habsburg, imperatriz do Brasil. Nessa altura, o país vivia já há mais de 300 anos do suor, do sangue e das lágrimas de escravos traficados da África. Toda a riqueza – açúcar, café, gado, pedras precisosas – prosperava sobre trabalho escravo.

O filho do rei português conseguiu a coroa de “Imperador do Brasil” porque fez a colônia assumir a dívida monetária que Portugal tinha com a Inglaterra. O Brasil comprou sua independência e tornou-se dependente de outro país.

A partir do início do século 19, a necessidade de buscar uma alternativa ao regime escravocrata, devido à constante pressão inglesa, se fazia cada vez mais forte. Os grandes propritários de terra, especialmente os fazendeiros de café de São Paulo, tinham grande interesse em trazer imigrantes europeus. Pretendiam empregá-los nas lavouras, pois a mão-de-obra escrava era cada vez mais escassa e, além disso, temia-se a proibição total do tráfico.

Outras razões para a intensificação da política imigratória estavam ligadas a fatores de ordem econômica e militar. O jovem império precisava diversificar a produção para garantir o abastecimento de alimento nas cidades. Na região ao sul do país, imensos espaços geográficos precisavam ser habitados e cultivados. E a região ao nordeste era contra o Império, exigindo o envio de tropas. Apesar da declaração da independência, o país estava longe de conseguir a união. Com era um território muito grande, o exército brasileiro não estava em condições de fazer frente a confrontações armadas. Daí a idéia de recrutar tropas estrangeiras. Com o objetivo de recrutar colonos, o governo enviou agentes de imigração à Alemanha, entre eles o major Georg Von Schäffer.

Com brochuras e cartazes, música e poemas, os agentes faziam propaganda nas cidades e vilarejosos. Sem respeitar a proibição outorgada pelo Congresso de Viena em 1815, que impedia o recrutamento de soldados para evitar novas guerras sangrentas, eles recorriam porém a meios ilegais para também recrutar soldados sob o rótulo de colonos. Muitos soldados alemães lutaram na Guerra do Uruguai (1825-1828), na Revolução Farroupilha (1835-1845), na guerra contra a Argentina (1851-1852) e na Guerra do Paraguai (1864-1870).

A historiadora brasileira Karen Lisboa, que vive em Berlim, comenta ainda mais um motivo da imigração européia: um projeto de branqueamento do país. "Diante de uma população com um grande número de negros e mestiços, as elites preponderantemente brancas e marcadas por preconceitos raciais viam com bons olhos a entrada de europeus em seu país”, esclarece Lisboa, “Acreditava-se que, por meio da mistura étnica, a sociedade brasileira poderia embranquecer”.

Diferentemente dos imigrantes de hoje, que podem retornar ao seu país de origem a passeio e mesmo regressar, quem decidia emigrar no século 19 cruzava o oceano para nunca mais voltar. O destino e o sucesso era incertos e a despedida dos familiares e amigos era para sempre. Dias e mais dias eram precisos para a longa jornada até os portos, principalmente em Hamburgo e Bremenhaven, a ainda era necessário esperar para o embarque. A travessia além-mar, por si só, durava entre 9 e 12 semanas. Com péssimas condições de higiene e alimentação, havia doenças e óbitos sobretudo entre as crianças. No Brasil, a depender do destino ou do tipo de atividade a executar, os alemães ainda enfrentavam mais uma viagem, do Rio de Janeiro até a terra ou a selva onde seria fundada uma colônia.

A fundação das colônias

“Nichts als Wald, Wald, Urwald war hier zu sehen. (...) Der Wald konnte uns nicht aufnehmen, kein Schritt ließ sich dort hinein tun, er war dicht wie eine Mauer. Mein guter Freund, der Vater, wusste Bescheid. Er nahm ein sichelartiges Beil, das an einem langen Stiel befestigt war, suchte einen passenden Baum am Waldrand und schlug das Unterholz, Rohr und Bambus, dort fort. Mein Mann und ich griffen mit zu, und eine Stunde darauf saßen wir unter dem dichten Dach eines Urwaldriesen, unsere erste Wohnung im Urwald. Dann nahm der Vater Abschied. Mein Mann begleitete ihn ein St¸ck des Weges. Als er zurückkam, saß ich auf einer Kiste unter dem großen Baum und weinte. Und hätte es mein Leben gekostet, ich hätte die Tränen nicht zurückhalten können.“ Emilie Heinrichs: Die Frau des Auswanderers. Erlebnisse einer Kolonistenfrau in Südbrasilien. Freiburg i. Br., 1921.

Em julho de 1824 chegou ao Rio Grande do Sul o primeiro grupo de 39 imigrantes alemães que fundaram a colônia de São Leopoldo, no Vale do Rio dos Sinos. O grupo de imigrantes aliciado pelo Major von Schäffer em Hamburgo era formado por camponeses, artesões, comerciantes, dois médicos, um farmacêutico e um pastor. Entre 1824 e 1825 seguiram-se onze levas, muitas das quais oriundas da região alemã de Hunsrück - num total de 1027 imigrantes. Até 1890, os alemães fixaram-se em terras menos habitadas, ao longo da Serra Geral, hoje um parque nacional. Mais tarde, as colônias se expandiram até o Planalto do Noroeste do estado. Pomeranos, saxões, sudetos, vestfalianos e renanos estavam entre os povos que colonizaram o Rio Grande do Sul.

São Leopoldo transformou-se em vila-modelo, com terras para lavouras medindo 70 hectares. Os excedentes agrícolas e o artesanato era vendido no ávido mercado consumidor de Porto Alegre. Por volta de 1855, São Leopoldo, já com 12 mil habitantes, estava em vias de se expandir. Nos 25 povoados iniciados neste período em volta de São Leopoldo, mais de 6 mil artesões fundavam novas oficinas. Ludwig Rau inaugurou, em 1829, o primeiro curtume do Brasil em Novo Hamburgo, hoje a capital dos calçados no Rio Grande do Sul. Portugueses e espanhóis já produziam gado para a produção de charque na fronteira oeste do estado. Os alemães passaram a utlizar a pele para produzir couro e artefatos como arreios, selas, utencílios para montaria e carroças, bem como botas militares. A partir da década de 40 do último século, as empresas do setor começaram a produzir sapatos mais sociais.

A noroeste de Santa Catarina estão localizadas três prósperas colônias alemãs da época, importantes até hoje: Blumenau (fundada em 1851), Joinville (1851) e Brusque (1860). A primeira foi fundada pelo farmacêutico Hermann Otto Bruno Blumenau com o auxílio de 16 outros imigrantes. Para a fundação do povoado, o governo brasileiro cedeu uma área de 220 quilômetros quadrados de mata (equivalente a ...) na região do Rio Itajaí-Açu. Morando em Berlim, Jutta Blumenau-Niesel, a bisneta do fundador da cidade, relata em artigo publicado no anuário do Instituto Hans-Staden alguns episódios vividos pelos primeiros imigrantes. Ela conta que a primeira enchente liquidou todo o trabalho da recém-erguida colônia e que outra ameaça era a ofensiva dos índios locais, que percorriam as terras como caçadores e pescadores, plantavam mandioca e milho e, a partir de 1830, também criavam animais.

Blumenau, que deveria se desenvolver como colônia agrícola, é hoje entre outros um importante pólo industrial têxtil. Um exemplo de grande êxito foi a oficina artesanal fundada em 1880 pelos irmãos Hermann e Bruno Hering. Herdeiros de uma tradição familiar secular de atividades em fiação e tecelagem, eles desejavam fugir da crise econômica causada pela guerra franco-prussiana, em 1871. Hermann Hering emigrou em 1878 e trabalhou como escrevente para os colonos do lugar até conseguir montar seu negócio. Comprou uma tricodadeira circular em Joinville e mandou vir a esposa, os dez filhos e o irmão. Atualmente, a quarta geração da família coordena o Grupo Hering, que conta com milhares de funcionários e está entre as maiores empresas do país.

Blumenau também é muito conhecida pela sua Oktoberfest. Realizada anualmente desde 1984, a festa dura três semanas e é a segunda maior do Brasil, depois do Carnaval, e já alcançou o título de segunda maior Oktoberfest do mundo, depois de Munique.

Em São Paulo, a imigração alemã foi mais urbana e espontânea. A colônia de Santo Amaro foi fundada por 17 famílias evangélicas alemãs em 1829, enquanto outras 12 famílias católicas alemãs preferiram as terras de Itaparica da Serra. Ambas são hoje subúrbios da metrópole paulista. Em 1849, chegaram mais 500 imigrantes alemães em Ibicaba, perto da cidade de Limeira. Por volta de 1888 foram fundadas em São Paulo, na região cafeicultora entre Campinas, Limeira e Rio Claro, vários povoados alemães e suíços, tais como Friedburg, Helvetia e Kirchdorf, entre outros.

Dirk Brinkmann, ex-diretor do Instituto Martius-Staden, que abriga em São Paulo um grande arquivo relacionado à imigração alemã no Brasil, destacou em entrevista à Deutsche Welle que a principal herança legada pelos alemães foi a constituição, a partir do comércio, do primeiro núcleo para uma classe média paulistana. O especialista também aponta a participação das indústrias alemãs: “Eu diria que, a partir de 1950, muitas empresas alemãs realmente empurraram o Brasil para a modernidade. Se considerarmos que o estado de São Paulo conta hoje com quase 1.200 empresas de capital alemão, isso faz da capital a maior cidade industrial da Alemanha”.

Outros estados

A imigração alemã para o Paraná, diferentemente do que ocorreu nos outros estados do sul, não foi tão intensa no século 19, ficando restrita a correntes migratórias individuais. Por volta de 1877 foram fundadas no estado, principalmente por alemães-russos, as vilas de Mariental e Johannisdorf, por exemplo. No Rio de Janeiro, o major Julius Friedrich Köler fundou Petrópolis em 1845. Oficial engenheiro, ele construiu estradas e pontes. Heinrich Halfeld fundou em 1850 a cidade de Juiz de Fora, no atual estado de Minas Gerais. Também no atual estado do Espírito Santo assentaram-se alemães. Os primeiros colonos chegaram do Hünsrück em 1846 para fundar a colônia de Santa Isabel (hoje Domingos Martins). Atualmente a cidade conta com 26 mil habitantes e comemora todos os anos o Festival da Imigração Alemã (Sommerfest).

Em 1924, quando a Alemanha ainda vivia sob as catastróficas conseqüências da Primeira Guerra Mundial, chegou também ao estado do Mato Grosso do Sul um grupo de alemães. Eles chegaram com o auxílio de uma companhia de imigração alemã, a Territorial Sul-Brasileira H. Hacker. Essa companhia comprometeu-se com a fundação de colônias alemãs ao longo da estrada de ferro "Noroete do Brasil". No início, os alemães chegaram à cidade de Miranda e, mais tarde, a Terrenos. Ambas, na época, ainda faziam parte da capital Campo Grande.

Imigrantes formam a primeira classe média brasileira

Durante todo o período colonial não existiu no Brasil uma classe média. Em seu livro “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda explica porque essa classe não surgiu espontaneamente com o trabalho individual de colonizadores portugueses. "O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho", escreve. Os colonizadores portugueses viam o trabalho corporal como vil, ignóbil, adequado apenas aos escravos. Assim, quando o Brasil se tornou independente, sua estrutura social continuava dividida em duas: de um lado havia a diminuta camada formada pela aristocracia branca e, do outro, a imensa massa de escravos negros e mulatos. O novo governo imperial reconheceu a necessidade urgente da criação de uma classe média, composta por pequenos agricultores livres e artesões, para impulsionar a economia da jovem nação brasileira. A solução encontrada para o problema foi trazer imigrantes europeus. Primeiramente chegaram os alemães e, 50 anos mais tarde, os iltalianos, os poloneses e os japoneses, entre outros.

Segundo Karl Heinrich Oberacker, em seu artigo “A importância histórica e social da imigração alemã”, os imigrantes alemães chegaram para construir uma nova existência, uma nova pátria. Eles não emigraram em busca do eldorado, mas porque a superpovoada Europa já não lhes oferecia mais trabalho e possibilidade de desenvolvimento. Eles não vieram como aventureiros, mas como responsáveis pais de família, que buscavam uma nova terra para os seus.

O historiador Sílvio Corrêa chama a atenção para o fato de que os descendentes de alemães estão hoje dissolvidos em todos os extratos sociais do Brasil. “Se é inegável a importância de alguns empresários alemães, assim como de casas comerciais e de inúmeros agricultores para a diversificação e desenvolvimento econômico do sul do Brasil, é importante salientar que o próprio desenvolvimento regional provocou novas desigualdades e acirrou outras. Assim que a presença alemã na economia e na sociedade brasileira não se encontra apenas no empresariado ou nas camadas superiores. Atualmente, ela também se encontra entre os desempregados, no Movimento dos Sem-Terra (MST), nas camadas inferiores da população sulina do Brasil", diz Corrêa.

A contribuição dos imigrantes no desenvolvimento econômico

"Denn obgleich wir nicht schreiben können, dass es schlecht hier im Lande beschaffen ist, so können wir auch nicht sagen, dass es gut bestellt sey! Es ist ein mühsam Leben und schwere Arbeit hier! Wir müssen das Joch selbst tragen und mit Hand alle Feldarbeit verrichten - Dagegen habt Ihr das Zugvieh das Euch das Joch zieht! - An Lebensmittel haben wir vollauf! Darin war kein Mangel!“ Johann Peter Görhardt aus Irmenach in einem Brief an seinen Bruder. São Leopoldo, 1836. (Zitiert aus Zeller Jahrbuch, 1965.)

Conforme o historiador Martin Dreher, do Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros da Universidade do Vale dos Sinos – Unisinos, de São Leopoldo, a maior contribuição do imigrante alemão no desenvolvimento da economia brasileira está ligada ao surgimento de um novo modelo agrícola num Brasil que era dominado pelo latifúndio, pela escravidão e pela monocultura. Trata-se da pequena propriedade agrícola, na qual a família agricultora livre produz para o consumo próprio e abastece, com o excedente, o mercado interno. Um segundo aspecto que deve ser sublinhado, segundo Dreher, é o fato de cerca de 60% dos imigrantes terem sido artesãos, ao longo do século 19. Eram assim os primeiros profissionais a ingressar no país, pois até então o regime português vedava sua entrada na colônia.

As primeiras oficinas artesanais, que eventualmente se transformaram em manufaturas, foram fundadas no Brasil principalmente por artesões alemães. Estradas de ferro, máquinas agrícolas, indústrias química e pesada, fábricas de chocolate, de porcelana e de fósforos estão entre os 85 setores com produtos pioneiros de alemães e seus descendentes no Brasil, conforme dados da Câmara Brasil-Alemanha de Indústria e Comércio.

Um alemão construía os primeiros pianos cariocas. As salinas em Cabo Frio, ao norte do estado do Rio de Janeiro, foram reativadas por um oficial alemão, que as desenvolveu de tal maneira que passaram a ser as maiores do país. Em 1828, Friedrich Bonne, de Hamburgo, fundou uma fábrica de chapéus na Bahia. Também em São Paulo e no Rio Grande do Sul confecções alemãs de chapéus foram fundadas.

O desenvolvimento das manufaturas e dos estabelecimentos industriais no Brasil está intimamente ligado com a siderurgia, com o fornecimento de metais. As siderúrgicas começaram a trabalhar com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, que trazia especialistas alemães em mineração. A técnica siderúrgica foi trazida por Friedrich Ludwig Varnhagen e introduzida por ele em 1811 em sua siderúrgica de São João de Ipanema. O fornecimento de ferro para São Paulo, até 1896, era feito principalmente pela Ipanema.

A Varig, a mais antiga companhia aérea do Brasil, foi fundada em 1927 por Otto Ernst Meyer Labastille. Após servir à força aérea alemã na Primeira Guerra Mundial, ele resolveu emigrar para o Brasil e criou uma das companhias aéreas mais importantes do país. A grande cervejaria Brahma foi fundada em 1888 por Joseph Villinger, enquanto a Antártica foi inaugurada em 1889 por iniciativa de Louis Bücher. Em 1959 a Antártica já era a maior cervejaria do Brasil, com 48 fábricas. Em 1999, a Brahma e a Antártica formaram a AmBev - Companhia de Bebidas das Américas. Em 2000, o Brasil já era o terceiro maiorprodutor de cerveja do mundo.

A fabricação de papel é outra atividade no Brasil que contou com uma relevante participação alemã. A primeira fábrica de papel do país foi construída em Petrópolis (RJ) por Wilhelm Schüch, o Barão de Capanema. A Companhia Melhoramentos de São Paulo, que há muitos anos produz "da árvore ao livro", também contou com o trabalho de imigrantes. O irmãos Weiszflog emigraram para o Brasil em 1890 e se tornaram sócios de um encadernador. O fornecedor de papel era a Melhoramentos, então propriedade do coronel Antônio Proost Rodovalho. Em 1920, os irmãos Weiszflog a compraram. A empresa construiu então uma fábrica de celulose e plantou 20 mil hectares de florestas. Hoje atua na área de papéis, madeira, reflorestamento, indústria gráfica e editora, entre outras.

A influência dos imigrantes foi decisiva também no setor do comércio e transportes da economia brasileira. Com a chegada da corte real, o número de casas comerciais alemãs de exportação começou a expandir. Já em 1812, os irmãos Wilhelm e Friedrich Fröhlich exportavam café. Em 1825, metade do açúcar e do café produzidos no Brasil iam para os portos hanseáticos de Hamburgo e Bremen. Em 1875, somente no Rio Grande do Sul, encontravam-se 22 firmas alemãs voltadas ao comércio exterior. Em Santos (SP), Theodor Wille fundou sua casa comercial em 1844 e começou a importar produtos e máquinas até então desconhecidas nas Américas. Além disso, se tornou um dos maiores exportadores de café, fomentando o porto de Santos e o progresso da economia cafeeira de São Paulo.

Técnicos alemães marcaram sua presença também na construção de estradas entre o Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras. Engenheiros alemães participaram em quase todos os projetos de construção de estradas bem como de projetos ferroviários no Brasil. A rede de telecomunicações, fundamental para a economia e a política de um país com dimensões continentais como o Brasil, também foi criada com a ajuda de alemães. A primeira linha telegráfica no Brasil foi instalada em 1852 por Wilhelm Schüch entre o quartel geral do exército, onde dava aulas de física, e o palácio imperial na Quinta da Boa Vista. Depois disso, o então Imperador Dom Pedro II confiou a Schüch a tarefa de construir a rede telegráfica nacional.

A reinvenção da cultura germânica no Brasil

Nova Berlim, Novo Hamburgo, Teutônia, Germânia, Frankental, Schweizertal e Johannisdorf são apenas algumas das cerca de 230 colônias alemãs existentes no Brasil. Casas em estilo arquitetônico enxaimel, ruas e jardins floridos, crianças loiras e de olhos azuis, cheiro de cuca assada em forno de barro.

Quem conhece a Alemanha e chega a alguma típica colônia alemã no sul do Brasil, poderia, num primeiro instante, fazer uma associação direta com alguma região da Baviera. Em pouco tempo, no entanto, faria a constatação de que a cultura dos teuto-brasileiros tem pouco a ver com a cultura dos alemães da atualidade.

Os imigrantes refizeram nas colônias a vida e os valores que trouxeram da Europa. Segundo Karen Lisboa, dependendo do lugar de seu desenvolvimento sócio-econômico, as características típicas alemãs, incluindo os regionalismo, passam por mudanças resultantes da assimilação da cultura luso-brasileira e de outras nacionalidades representadads entre os habitantes. Os imigrantes que ficaram em cidades grandes assimilaram-se mais rapidamente à sociedade receptora. Já no meio rural, o isolamento geográfico contribuiu para certa consevação da cultura de origem, que, no entanto seguiu o seu próprio caminho na nova terra.

O historiador e sociólogo Sílvio Corrêa estudou a identidade alemã no Brasil. Em seu doutorado, realizado na universidade de Münster, Corrêa fala que “as tradições germânicas são constantemente reinventadas".

Com as guerras mundiais e a campanha de nacionalização ocorrida no Brasil em fins da década de 30, o processo de assimilação da cultura local foi acelerado, em parte de forma obrigatória. Em meio a diversas medidas, escolas, associações e a imprensa teuto-brasileiras foram proibidas de empregar a língua alemã em público.

Embora tais proibições tenham sido suspensas após 1945, segundo Martin Dreher, a Segunda Guerra Mundial foi um corte bastante profundo para a questão da herança cultural. "Deve-se dizer que no Brasil surgiu uma cultura germânica de características muito peculiares já antes da guerra, com ampla gama de produção cultural, cuja memória vem sendo recuperada com uma série de estudos acadêmicos. O que hoje continua, após a perda do veículo de preservação cultural que é o idioma, é folclore, preservado através de festas, culinária, danças e turismo, construído a partir de um imaginário que nem sempre condiz com o histórico", diz Dreher. Para Sílvio Corrêa, também a urbanização provocou mudanças no modo de vida dos descendentes alemães, que se tornaram mais “livres” de suas origens rurais, étnicas e religiosas. "O 'abrasileiramento' foi mais espontâneo e ocorreu dentro do quadro da modernização", defende Correa.

Apesar de haver cada vez menos descendentes que aprendem o alemão como segunda língua materna, ainda é possível em muitas comunidades sulistas ouvir dialetos originários do Hunsrück e do Platinado. Devido à heterogeneidade lingüística dos próprios imigrantes alemães, houve influências mútuas entre os vários dialetos. Igualmente, os teuto-brasilieros absorveram vários termos do idioma português germanizando-os. Eis alguns exemplos:

Bisiklete (bicicleta): Fahrrad
Inkomodieren (incomodar): stören
Fum (fumo): Tabak
Luftschiff (avião): Flugzeug
Vende (venda): Kaufladen
vergastieren (gastar): ausgeben, verbrauchen, abnutzen
vergonye (vergonha): Schande, Scham

Panorama

Os alemães há 506 anos no Brasil - Os primeiros alemães a pisarem o solo brasileiro chegaram já no dia do "descobrimento", 22 de abril de 1500. Junto com Pedro Álvares Cabral vinham 35 artilheiros alemães e o assessor científico, astrônomo e médico alemão Johannes Varnhagen, conhecido como Mestre João. Sua carta ao rei Dom Manuel I de Portugal é o documento científico mais antigo do Brasil, anterior inclusive à carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota.

Também no primeiro povoado agrícola, São Vicente, na costa do Estado de São Paulo, fundado em 1532, encontravam-se alemães que investiram no negócio da cana-de-acúcar e defenderam a colônia contra os inimigos. O primeiro engenho de açúcar do Brasil foi contruído na colônia pelo técnico alemão Johann von Hülsen.

A imensa beleza da terra e a riqueza do solo, da fauna e da flora brasileiras atraíram inúmeros pesquisadores, exploradores e aventureiros alemães que até hoje são conhecidos pelas suas façanhas. Conhecida é a história de Hans Staden, canhoneiro alemão que chegou em São Vicente como náufrago em 1552. Enquanto trabalhava na defesa do povoado, Staden foi capturado pelos índios Tubinambás, passou cerca de 10 meses entre os canibais e só conseguiu sobreviver por ter feito amizade com o pajé da tribo. Foi resgatado e voltou para a Alemanha em 1555. O seu livro "A verdadeira história..." (Wahrhaftige Historia und Beschreibung einer Landschaft der wilden, nackten und grimmigen Menschenfresserleute) é o relato mais antigo com descrição precisa dos indígenas brasileiros.

Durante a tentativa de colonização empreendida por holandeses no nordeste (1630-1654) e no processo de acelerar a ocupação da Amazônia no século 18, contingentes maiores de alemães penetraram no Brasil. Alguns personagens de destaque durante o período colonial são Johann Heinrich Böhm, fundador do exército brasileiro; Friedrich Varnhagen, que introduziu a indústria siderúrgica em 1811; Johann Moritz Rugendas, pintor que voltou à Europa em 1825 com mais de 500 pinturas do Brasil; e Alexander von Humboldt, renomado ....

A participação dos alemães no desenvolvimento do Brasil Colônia estava sempre relacionada com pessoas isoladas e realizações individuais. Somente com a vinda da corte portuguesa ao Brasil no final de 1807 e a posterior independência do Brasil em 1822, é que começam a chegar as grandes levas de imigrantes alemães ao país.

por ANGELITA KASPER
para a BRAZINE # 17

Fontes

“Die sozialgeschichtliche Bedeutung der Deutschen Einwanderung”, Karl Heinrich Oberacker

Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, link para www.ahkbrasil.com

UNISINOS, Deutsch-Brasilianisches Studienzentrum, São Leopoldo

Arquivo do blog

berlin, Germany
angelita kasper was born 1977 in três passos, brazil. she studied social communication - journalism at the universidade federal do rio grande do sul in porto alegre, brazil. yet in the nineties, angelita worked as freelance journalist, photographer and artist. since 2002 she lives in berlin and took part in several local art-projects and exhibitions.