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sábado, julho 11, 2009

Reforma Agrária: quatro anos serão suficientes?

O patrimônio das 5 mil famílias “muito ricas” - ou 0,001% das famílias brasileiras - equivale a algo em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Com esses números*, o país concorre à sociedade mais injusta do mundo. Uma das principais causas dessa desigualdade social e econômica se deve ao fato de que o capitalismo brasileiro se desenvolveu mantendo intocável a sua estrutura fundiária. As elites brasileiras sempre fizeram da propriedade da terra uma reserva de valor da sua riqueza. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), na concentração de terras o país é vice-campeão mundial, sendo superado apenas pelo Paraguai.
Há 505 anos, junto com as caravelas portuguesas, uma política de terras baseada no latifúndio monocultor desembarcou em Pindorama. O período de colonização se baseou na grande propriedade rural voltada para a exportação. Assim foi que, entre 1534 e 36, o rei de Portugal dividiu o Brasil em 14 capitanias hereditárias. Seus donatários deviam distribuir lotes de terras - as sesmarias - para promover o povoamento e iniciar a produção na Colônia.
Foi a sesmaria a base de todo sistema de propriedade no Brasil e a origem do latifúndio.
Três séculos mais tarde, com o país já independente, surgiu a Lei da Terra, que passou a definir: só quem pagasse pela terra poderia possuí-la.
A sesmaria é a origem do latifúndio, mas não explica porque essa estrutura fundiária se mantém inalterada até os dias de hoje. “A sociedade brasileira perdeu várias chances históricas de fazer a reforma agrária”, afirma João Pedro Stedile, um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 
Quando foi abolida a escravidão no Brasil, em 1888, não se criou a oportunidade para que os negros tivessem acesso à terra. Esse momento histórico foi, por exemplo, a base da primeira reforma agrária dos Estados Unidos, realizada por Abraham Lincoln em 1862.
A Lei de Terras de 1850, em vez de ser uma lei para democratizar a propriedade da terra, a tornou um privilégio de quem tinha dinheiro no Brasil. Foi a primeira chance perdida.
A segunda foi na Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas implementou o modelo industrial. Diferente de muitos países, o Brasil não procurou desenvolver o mercado interno e a reforma agrária ao se industrializar.
Instalou-se no país uma industrialização dependente, voltada para a exportação. Em vez de fazer a reforma agrária, democratizando a terra, Vargas apenas tirou a oligarquia rural do poder político. Contudo, o privilégio desta oligarquia em relação à propriedade da terra foi mantido.
A terceira chance perdida foi na década de 60, quando o modelo de industrialização entrou em crise.
O presidente João Goulart chegou a fazer uma lei de reforma agrária, mas não conseguiu mandá-la ao Congresso porque, 18 dias antes da lei ser anunciada, os militares se uniram à oligarquia rural e deram o golpe de 1964, dando início à ditadura militar
  
Agricultura familiar:
riqueza da nação e miséria do produtor
 
A agricultura familiar - de pequenos agricultores que cultivam a terra exclusivamente com a força de trabalho da própria família - representa um grande potencial para o país: cerca de quatro milhões de propriedades agrícolas (85% do total) ainda funcionam neste regime de produção familiar, sendo responsáveis por 37,9% do PIB nacional, por 77% dos empregos rurais e pela maioria da produção de alimentos (veja quadro).
O senso agropecuário de dez anos atrás mostra que, enquanto a agricultura familiar gera em média uma ocupação a cada oito hectares utilizados, a patronal (de latifúndio) demanda 67 hectares para gerar uma única ocupação. Na região centro-oeste do Brasil, a agricultura patronal chega a demandar 217 hectares para gerar um único emprego. Se o padrão de ocupação da agricultura patronal fosse universalizado para todo o campo brasileiro, mais de 12 milhões de empregos desapareceriam. A mesma simulação para a agricultura familiar geraria um saldo positivo de mais de 26 milhões de ocupações.
No entanto, o modelo de agricultura orientado para a exportação, somado aos altos juros instituídos em diversas políticas econômicas, fez com que os pequenos agricultores empobrecessem e se endividassem. Com isso, a concentração das terras aumentou. 
Atualmente, a população rural brasileira é de 19%, sendo que 37% dos agricultores (15 milhões das famílias rurais) vivem abaixo da linha de pobreza. Além disso, 11% dos agricultores vivem somente da aposentadoria (em geral menos de 300 reais por mês) e 4,8 milhões de pessoas são sem terra. 
Por conta desta situação alarmante, um grande êxodo rural é constatado há décadas no Brasil. O período drástico ocorreu entre 1970 e 90, quando cerca de 30 milhões de agricultores abandonaram suas terras em busca de uma nova perspectiva de vida nas cidades, o que, na maioria dos casos, contribuiu para o aumento das favelas. Nos oito anos do governo FHC, entre 1994 e 2002, a média anual caiu de 1,5 milhão de famílias para pouco mais que 50 mil famílias retirantes
 
Movimento Sem Terra: 

21 anos de luta pela reforma agrária
 

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foi fundado em 1984 e herdou a experiência das inúmeras lutas camponesas da história brasileira. Ele é reconhecido como portador da esperança por uma verdadeira reforma agrária e pela construção de um novo modelo de agricultura no Brasil. Por isso, recebe um apoio crescente da sociedade brasileira e internacional. 
Sua força está baseada nas ocupações de terra, na mobilização dos sem-terra e na organização da produção nos assentamentos conquistados. Como resultado da ação do MST, e da reação dos governos, hoje cerca de 350 mil famílias estão assentadas.
Mas não somente o simples assentamento de famílias é importante na reforma agrária - sem uma infra-estrutura adequada, elas não têm as condições mínimas de sobrevivência na terra. 
Nos assentamentos realizados no governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), por exemplo, 62% estão localizados na Amazônia, onde antigos posseiros foram transformados em assentados; 27% são referentes a projetos de governos anteriores; 90% não dispõem de abastecimento de água; 80% não têm acesso a estradas e à energia elétrica; 57% não tiveram acesso ao crédito para habitação e 53% está excluída de assistência técnica. 
Portanto, a maioria destes assentamentos integra a assim chamada “Reforma Agrária de Mercado”, dada com a criação do Banco da Terra pelo governo FHC, seguindo orientações do Banco Mundial. 
A comercialização de terras se tornou um grande negócio para os latifundiários, que puderam vender suas terras improdutivas a preços superiores aos vigentes no mercado, com pagamento à vista ou em TDAs (Títulos da Dívida Agrária), que por sua vez puderam ser investidos no processo de privatização das empresas estatais, conduzido pelo mesmo governo. 
O custo total da política de assentamentos de FHC foi de 20 bilhões de reais (R$ 40 mil por família assentada), o programa de reforma agrária mais caro da história brasileira. 
Como resultado, os latifundiários foram beneficiados e a maioria dos assentados não conseguiu pagar as terras, que adquiriu em parcelas com o adicional de altos juros. 
"Além disso, FHC criou uma medida provisória que impede por dois anos a utilização de áreas ocupadas para fins de desapropriação e os ocupantes são excluídos de futuros assentamentos”, aponta Antônio Inácio Andrioli, pesquisador brasileiro residente na Alemanha.
Logo no início do seu mandato, o presidente Luís Inácio Lula da Silva declarou, com um boné do MST na cabeça, que a reforma agrária seria prioridade do seu governo. Foi o bastante para que o líder do PSDB no senado, Arthur Virgílio, reunisse as assinaturas necessárias para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o movimento.
Inflamada pela mídia direitista, a CPI deixou claro que os mais poderosos interesses econômicos e políticos do país estavam dispostos a lutar com unhas e dentes para que o plano de reforma agrária não se concretize neste governo.
Mais da metade do mandato de Lula já passou e as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária estão longe de ser cumpridas. Os acordos com o FMI - Fundo Monetário Internacional - aprofundam a dependência do país em relação ao capital especulativo internacional, e importantes programas sociais, como a reforma agrária, foram restringidos pela severa política econômica do governo.
Em novembro de 2003, o governo federal aprovou o II Plano Nacional de Reforma Agrária, no qual garantia o assentamento de 400 mil famílias, o acesso à terra através do crédito fundiário para mais 130 mil famílias e a regularização fundiária para outras 500 mil famílias até o final de 2006. Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), foram assentadas em dois anos de governo 117 mil famílias. 
O MST, no entanto, contesta este número. Diz que a maioria das famílias foi alocada em projetos criados no governo FHC ou apenas teve a sua situação regularizada - assim, em dois anos, o atual governo teria assentado menos de 60 mil famílias.
O governo segue afirmando que a reforma agrária e a agricultura familiar integram a sua estratégia de inclusão social e desenvolvimento econômico. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, afirma que os entraves impostos à atual política de reforma agrária têm origem nos limites orçamentários, na lentidão do Poder Judiciário e nas dificuldades encontradas dentro do Congresso Nacional.
O MST considera a questão de outra maneira. Organizadores do movimento afirmam que, em primeiro lugar, o governo não controla o Estado brasileiro, que está organizado para proteger as elites e manter seus privilégios.
Em segundo plano, os fazendeiros dominam setores do governo e fazem, ainda, uma luta ideológica permanente na imprensa e nas universidades para convencer a sociedade de que a solução para a agricultura brasileira é o latifúndio monocultor dedicado à exportação.
Alegam, por fim, que o governo Lula mantém uma política econômica que é a continuidade da política neoliberal do antecessor FHC.
A política econômica do governo está baseada na manutenção de altas taxas de juros, para controlar a inflação e o crédito, e na geração do superávit primário. Ou seja, o governo promove cortes nos gastos com áreas sociais e, com esse dinheiro, paga aos bancos os juros da dívida pública. Dos 3,4 bilhões de reais previstos no orçamento deste ano para o Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Fazenda cortou R$ 2 bilhões para fazer caixa. Houve protestos, inclusive do ministro Rossetto, forçando o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a liberar R$ 400 milhões da quantia retida.
O MST reforçou mais uma vez sua jornada de lutas com a Marcha Nacional pela Reforma Agrária entre os dias 2 e 16 de maio passado. Mais de doze mil agricultores percorreram 223 quilômetros entre Goiânia e Brasília reivindicando a concretização do Plano Nacional de Reforma Agrária do governo Lula. 
O MST exige que o Incra seja reestruturado, fortalecido e dependa diretamente do presidente da República, a fim de que tenha autonomia nas negociações sobre a reforma agrária. Outras reivindicações dos agricultores têm a ver com a defesa da Amazônia e da biodiversidade, com a punição dos fazendeiros responsáveis pela violência contra os trabalhadores rurais e com a demarcação das áreas pertencentes aos povos indígenas. 
Eles também pedem mudanças na política econômica, entre elas, a diminuição das taxas de juros e o investimento de 60 milhões de reais do superávit primário na educação e na saúde pública. E pedem para que o Brasil não assine o acordo da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e não aceite as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). De fato, há assuntos internos a serem resolvidos em primeiro lugar.

ANGELITA KASPER, de Berlim
para a Brazine # 13

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berlin, Germany
angelita kasper was born 1977 in três passos, brazil. she studied social communication - journalism at the universidade federal do rio grande do sul in porto alegre, brazil. yet in the nineties, angelita worked as freelance journalist, photographer and artist. since 2002 she lives in berlin and took part in several local art-projects and exhibitions.