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domingo, junho 14, 2009

Transgênicos estão liberados no Brasil

O governo brasileiro aprovou no dia 24 de março de 2005 a Lei de Biossegurança, que regulariza a produção e a comercialização de organismos geneticamente manipulados (OGMs).
Pressionado pelos grandes proprietários rurais, o governo Lula já havia liberado através de medida provisória a safra de soja transgênica deste ano, semeada ilegalmente em todo o país.
O ponto mais polêmico da nova lei foi o fortalecimento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio - que passa a possuir o poder de liberar o plantio e o comércio dos OGMs.
Mesmo uma semana antes da sanção da lei, a CTNBio já havia liberado o “Algodão Bollgard Evento 531” pela multinacional norte-americana Monsanto sem estudo de impacto ambiental.
No centro da discussão sobre os transgênicos no Brasil sempre esteve a soja RR (Roundup Ready), comercializada pela Monsanto, que domina mais de 90% do mercado mundial de plantas geneticamente modificadas.
Conforme denúncia do ambientalista e engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro, desde 1998 a Monsanto já vinha introduzindo ilegalmente sementes de soja transgênica no país com a cumplicidade de autoridades governamentais, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a CTNBio.
A partir de 1999, agricultores vinham adotando a soja transgênica, em especial no Rio Grande do Sul, onde o contrabando de sementes da Argentina e a ausência de fiscalização contribuíram para a expansão do cultivo ilegal.
O interesse em liberar os transgênicos baseia-se na crescente participação da indústria da transgenia no agronegócio de exportação.
O Brasil entra no mercado global com a monocultura da soja, economicamente viável somente com a produção extensiva em grandes latifúndios.
“Os movimentos sociais dizem que o agricultor deve se organizar para industrializar as matérias-primas que produz. Mas para ter escala de competição e margem de lucro garantida, as quantidades produzidas e industrializadas deveriam ser gigantescas e isto somente as grandes empresas podem fazer”, diz Pinheiro.
Em 2004 foram colhidas 52,3 milhões de toneladas de soja numa área de 18,5 milhões de hectares. Isso representa 8 bilhões de dólares que estariam sendo fundamentais para pagar a dívida externa e para estabilizar a balança comercial do país. De acordo com as autoridades brasileiras e os produtores de soja, há um potencial de expansão do cultivo da soja para mais de 100 milhões de hectares.
“Desmatamento, aumento do uso de agrotóxicos, destruição da soberania alimentar de comunidades indígenas e de pequenos agricultores, trabalho escravo, êxodo rural e crescimento da pobreza no campo são as conseqüências mais significativas da monocultura da soja”, afirma Antônio Andrioli, que atualmente desenvolve sua tese de doutorado sobre soja transgênica na Universidade de Osnabrück, na Alemanha.
Os argumentos a favor dos transgênicos estão sendo disseminados pela Monsanto com a ajuda de cientistas por ela financiados e de uma intensa campanha publicitária na grande mídia.
Segundo Andrioli, a empresa garante que a soja tolerante ao herbicida teria um impacto positivo na produtividade, vindo contribuir no combate à fome; que as quantidades de herbicida seriam reduzidas, podendo diminuir os custos de produção e propiciar uma maior competitividade no mercado internacional; e que com menos uso de herbicida estaríamos evitando a contaminação ambiental e melhorando a qualidade dos alimentos.
Todos esses argumentos são, no entanto, rebatidos. A soja transgênica contém um gene que a protege dos efeitos nocivos do herbicida Roundup (a marca comercial da Monsanto para o princípio ativo “glifosato”). Tal herbicida elimina todas as plantas, exceto as transgênicas.
O glifosato é uma substância química desenvolvida a partir do Agente Laranja, usado na guerra do Vietnã. Seus efeitos são visíveis ainda hoje no país, onde toda uma geração sofre de anomalias congênitas que afetam o desenvolvimento de braços e pernas.
Além disso, constatou-se que o glifosato pode se combinar com nitratos do solo, dando origem a uma nova substância: o nitrosoglifosato, o qual pode ser responsável pelo surgimento de carcinomas (câncer) no fígado. Os efeitos sobre a saúde e o meio ambiente podem ser ainda maiores se considerarmos que a maioria dos rios e solos estão sendo progressivamente poluídos com glifosato.
Como se não bastasse, a patente da semente de soja transgênica Roundup Ready (RR) é de propriedade da Monsanto que, de acordo com o Tratado sobre os Direitos de Propriedade Intelectual, está autorizada a cobrar royalties dos agricultores que venham a fazer uso da planta geneticamente modificada, mesmo após reproduzida.
A venda de ambos - semente e herbicida - cria um monopólio em favor da empresa e compromete os agricultores. Tudo isso porque sementes, que sempre foram bens naturais e de uso geral, agora passam a ser propriedade privada de uma companhia transnacional.
O argumento ligado ao combate à fome é rebatido ao se observar que as plantas transgênicas não possuem nenhuma qualidade que possa diferenciá-las na questão da produtividade, com exceção da resistência que têm ao herbicida da própria Monsanto.
Especialista em questões alimentárias, Rudolf Buntzel explica que “os transgênicos não podem acabar com a fome no mundo, assim como nenhuma técnica. Somente estratégias sociais conseguem isso. A tecnologia genética exige uma racionalização completa da agricultura, que origina a extinção dos pequenos produtores”.
O alemão, que atua junto ao Serviço de Desenvolvimento da Igreja Evangélica (EED), antecipa categórico: “Vai crescer a pobreza no campo”.

Quando se fala dos riscos dos transgênicos, a discussão geralmente fica limitada aos efeitos da manipulação genética sobre a saúde humana, os quais ainda não estariam confirmados.

O perigo da dependência dos agricultores em relação ao monopólio das empresas pouco aparece no debate. Nas palavras de Pinheiro, “fomos induzidos a questionar apenas a saúde e o meio ambiente com os transgênicos, quando na verdade a questão é bem maior que isso: O agronegócio se caracteriza pelos conglomerados de engenharia genética e pelas redes de supermercados internacionais, que querem que o alimento chegue à mesa o mais modificado possível para poder agregar valores à produção. O transgênico é um instrumento de dominação que fará com que não exista mais agricultura familiar produzindo diretamente para o consumidor. Ele exclui o pequeno agricultor, reduz à servidão o produtor médio e faz com que a comida de qualidade alcance somente aqueles que pagam caro para obtê-la”.
A Alemanha, apesar de ser um dos países mais críticos em relação aos transgênicos na União Européia, acaba de permitir o plantio da primeira variedade de milho transgênico, o MON 810, de propriedade da Monsanto.
No entanto, os agricultores alemães são bastante cautelosos: cerca de 1000 dos 1,7 milhões de hectares de plantações de milho são transgênicos.
Uma pesquisa do Instituto Wickert, de Hildesheim, aponta que 70% dos agricultores da Alemanha são contrários ao cultivo de transgênicos. A mesma tendência se repete entre os consumidores europeus: o Eurobarômetro, pesquisa oficial da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), divulgou no final de 2002 que 70,9% deles rejeitam alimentos geneticamente manipulados. Contudo, faltam alternativas e o risco é grande.
Por um lado, as empresas de biotecnologia e os comerciantes multinacionais de cereais já ganharam importantes batalhas no Brasil, na Argentina e nos EUA.
Por outro, a UE se vê afetada massivamente pelas gigantes importações agrárias. Após o pânico com a “vaca louca”, a importação de soja adquiriu maior importância no continente, pois o farelo de soja representa um substituto à farinha de carne, cuja utilização foi proibida em rações animais.
Estima-se que cerca de 6 milhões de hectares fora dos limites europeus são necessários para suprir a demanda interna de soja destinada à criação intensiva de animais. Somente a Alemanha importa anualmente 3 milhões de toneladas de farelo de soja, principalmente do Brasil, o país em que a soja é produzida com os menores custos do mundo, já que os custos sociais e ecológicos não estão embutidos no “livre mercado”. As rações animais devem estar rotuladas conforme nova lei da UE. No entanto, ainda estão isentos de informações sobre manipulação genética os rótulos de produtos de origem animal (como carne, leite, ovos e derivados), pois não são considerados de “origem transgênica”.
O consumidor europeu não pode, pois, averiguar a pureza desses alimentos. Segundo Rudolf Buntzel, “com a queda do Brasil já quase não há no mundo soja garantidamente livre de manipulação genética. Muitos dizem que, com o Brasil, cai também a Europa”.

ANGELITA KASPER, de Berlim
para a Brazine # 13

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berlin, Germany
angelita kasper was born 1977 in três passos, brazil. she studied social communication - journalism at the universidade federal do rio grande do sul in porto alegre, brazil. yet in the nineties, angelita worked as freelance journalist, photographer and artist. since 2002 she lives in berlin and took part in several local art-projects and exhibitions.